Espetáculo em Rondônia trata sobre malefícios das instalações das usinas do Madeira
O espetáculo solo de dança, Recolon, do dançarino Leonardo Scantbelruy, será apresentado nos dias 12 e 13 de agosto, às 20h, no Teatro Um do SESC Esplanada e no dia 14 de agosto, às 18h, no Tapiri – O Imaginário. Todas as sessões são gratuitas.
Contemplado pelo Prêmio Funarte de Dança Klauss Viana 2014, o projeto já passou por uma fase de ensaios abertos durante o processo de montagem, em julho na cidade de Manaus, e terá a sua estreia oficial na capital rondoniense, local de nascimento de Leonardo Scantbelruy, o criador do espetáculo.
A inquietação que originou a pesquisa surgiu da observação da cidade de Porto Velho, que foi assolada pelo caos das instalações do complexo de usinas hidrelétricas do Rio Madeira. As construções afetaram negativamente diversos aspectos da cidade e região, gerando assim um desconforto que serviu de estímulo para o início do processo criativo, que dentre outros assuntos aborda a desfiguração sofrida pelo ribeirinho por conta das ações das hidrelétricas.
Scantbelruy não sabe dizer ao certo quando o projeto teve início, mas ele ganhou forma de maneira mais concreta a partir de uma oficina ministrada pela coreógrafa catarinense Elisa Schmidt: “Posterior às referidas vivências, já em Manaus, participei de uma oficina intitulada “Experiência em Desfiguração”, ministrada por Elisa Schmidt (Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna 2013). Por meio do diálogo ocasionado pela oficina obtive subsídio criativo para impulsionar Recolon, que na época não era sequer batizado. A alusão entre os sujeitos desfigurados, assolados e sem identidade com a técnica da transfiguração, proposta por Elisa, me oportunizou um vínculo entre as observações de campo e a partitura cênica que eu visava transpor para o corpo”, explica o dançarino.
Schmidt então se tornou interlocutora do processo, e passou a receber semanalmente material gravado sobre os ensaios e experimentos. Ainda em 2014 a coreógrafa de Porto Velho Gilca Lobo ingressou no processo, passando a contribuir com sua pesquisa acerca do corpo ribeirinho.
A coreógrafa foi a Manaus em julho, e permaneceu na capital amazonense por uma semana, contribuindo para a pesquisa do intérprete. Ela acredita que a ideia trazida por Scantbelruy é importante por discutir questões do passado, mas que permanecem fortes no presente: “Nosso estado, Rondônia, sofreu muito com as usinas hidrelétricas, tivemos enchentes, comunidades inteiras sumiram, morreram animais. E esse ainda é um assunto atual, polêmico, social, político, humano, que precisa ser discutido e tem gente querendo abafar. E falar de comunidade ribeirinha, muitas vezes acaba indo pro lugar comum, clichê, mas aqui a proposta é instigadora, política, de cutucar a ferida. Acho uma discussão super necessária, principalmente trazida por artistas que lidam com isso de forma madura.”, explica Lobo.
Neste trabalho, o intérprete utiliza-se da pasta de macaxeira para ilustrar a desfiguração pela qual a população de Rondônia passou devido aos abusos envolvendo as hidrelétricas. Tal artifício gerou uma observação positiva da coreógrafa catarinense Elisa Schmidt, que também é interlocutora do espetáculo: “Macaxeira é uma raiz. Não foi escolhida à toa. Além disso, sua densidade permite a composição de máscaras e sua coloração é adequada para a sobreposição com tintas e cascas. A desfiguração com pasta de macaxeira é um campo de morte, posto que os traços do rosto sejam desfeitos, consequentemente são fragmentadas as noções de identidade. Cria-se e recria-se faces para o rosto. Faces que remetem às populações rondonienses dissolvidas à beira do Rio Madeira”, conta a coreógrafa.
Scantbelruy chegou em Porto Velho dia 4 agosto, e reiniciou os diálogos com Lobo para afinar os últimos acertos até a estreia.
Fotos: César Nogueira