Comer meleca do Nariz!
Recebi um vídeo pelo watsApp de um estudante de psicanálise no qual uma moça sentada no trem; comia compulsivamente meleca do seu nariz, no qual ele afirma que é um processo autofágico de fixação na fase oral.
Respondi que talvez sim ou talvez não.·.
Na psicanálise coloquial e sem dogmas morais e religiosos, toda a gama de representação de um sintoma não é uma regra geral.
E não serve como um uniforme onde se podem vestir as pessoas de forma igualitária dentro de um processo terapêutico de psicanálise adulta ou infantil para um diagnóstico de juízo de cada um.
Caso estejamos aqui falando de psicanálise ciência do inconsciente humano e não da ciência do comportamento ou das emoções humanas.
Há muito anos atrás dei aula uma escola rural, e meus pequenos alunos e alunas por vez ou outra comiam as melecas, cada um tinha um jeito de comer suas melecas.
Na época observei que comiam melecas, quando se atrasava um pouco o horário do intervalo (recreio) no qual era servida quase sempre uma suculenta sopa dos tempos da ditadura militar nessa escola a sopa era a salvação alimentar e de saúde dessas crianças.
Também tive pequenos alunos e alunas que comiam escondidos giz, chicletes colados debaixo das carteiras ainda de madeiras da época, alguns raspavam com as unhas lasquinhas de madeira ou do barro da parede da escola rural.
Por um lado essa comilança de coisas nada nutritivas e bizarras poderia ser um mecanismo de alivio de alguma ansiedade, medo ou angustia da pobreza e carência alimentar em que viviam essas crianças em seus núcleos familiares.
Mas por outro lado o inconsciente buscava a realização (substitutiva) simbólica para suprir uma emergente carência nutricional ou vitamínica dessas crianças.
Para a psicanálise infantil essa carência nutricional e vitamínica pode sim se iniciar nessas “crianças” já na gestação, na concepção.
Muitas dessas “mães” tiveram má alimentação que foi (alimentação carente em valores) nutricionais e vitamínicos para seu feto, para que seu bebezinho se se desenvolve plenamente saudável em seu útero.
São mães que não tiveram uma maternagem adequada, bem assistida tanto no aspecto alimentar, principalmente no aspecto do acolhimento afetivo familiar, apoio do pai e na época algumas “mães” nem sabiam o que era um pré-natal.
Essas “mães” tiveram seus bebes com essas carências, biopsicofamiliar então o ato de comer meleca em nível do inconsciente poderíamos chamar isso de uma espécie de memória celular neuropsicológica fetal.
Para a psicanálise o bebê ou a criança (sendo adulto) ele vai comer meleca no seu inconsciente, ele come a meleca do nariz na tentativa de salvar a si e a mãe desse perigo da carência nutricional, vitamínica e principalmente a falha de maternagem com acolhimento e toda preparação adequada para a chegada do bebezinho.
Visto que teço aqui meu comentário dentro de uma visão psicodinâmica do inconsciente baseado em minha experiência com a psicanálise infantil.
Não se trata aqui de uma “análise” terapêutica, mas sim de um norteamento por onde caminharia a “análise” de uma pessoa adulta que come melecas e outras coisas bizarras.
Na vida adulta muitos homens e mulheres, meninos e meninas desenvolvem quase sempre algum tipo alérgico, e isso no inconsciente está ligado à rejeição, a fronteiras, os fetos rejeitados na gestação pela mãe se tornam em bebês com algum tipo de alergia.
Nas famílias mais abastadas, lares fartos em alimentação os comedores de melecas foram rejeitados porque deixaram os corpos sarados e jovens das mães fora de forma ou da moda de cada época, ou porque foram muito cedo para as creches ou cuidados das babas entre 0 a 5 anos seguindo aqui o pensamento de Lacan.
Lembrando que estamos falando de “rejeição” inconsciente não necessariamente proposital ou por uma mãe má ou mãe bruxa.
Cada mãe têm seus motivos específicos seja cruel ou não para indesejar a gravidez e a gestação, dentre esses motivos podemos citar alguns a pobreza extrema, falta de apoio e acolhimento pelos familiares, presença de um pai viril para o sexo, mas fraco ou desqualificado para ocupar o lugar de pai que fica além do lugar do macho sexual.
Então com esse indesejo na gestação e uma maternagem falha, juntaremos a isso as tendências; a carga de memória genética de cada um, essa mãe pode sim ter muitos motivos para rejeitar (inconscientemente) esse feto e essa gestação.
Aliam-se também fatores predisposições culturais e de ideias religiosas de cada comunidade ou cultura local.
Por isso dificilmente uma mulher adulta ou moça gostaria desejaria comer meleca em público.
Mas nesse vagão de trem quem come a meleca de nariz não é a bela moça, mas sim a “criança ou o bebezinho que está dentro dessa moça”.
Esse deve ser o norteamento e o olhar da psicanálise; ao acolher um jovem ou adulto nessa situação.
A despeito dos aspectos clínicos, neurológicos e comportamentais, verdade é que para a psicanálise da infância a meleca do nariz nos remete a nossa primeira infância e para alguns autores isso pode vir da gestação.
Existe um significado para comer essas melecas e vários significantes que estão inconsciente, adormecidos e recalcados no na pessoa adulta.
Esses significantes podem ser inclusive ódio recalcado de alguém a quem se deva somente amar, mas o ódio e amor na psicanálise é uma linha muito fina e quase invisível e insabida.
Já tive inúmeros pacientes que relataram coisas bizarras que comiam ou beliscava em seus momentos de estresse ou de situação de carência afetiva que se arremete a busca de socorro inconsciente pela figura da mãe, já que o pai muitas vezes nem sempre existiu dentro da dinâmica; imaginário, simbólico e real.
Dr. Luiz Mariano
Psicanalista Clínico
Especialista Medicina Psicossomática e Neurociência