Colunista do Estadão usa exemplo de Rondônia para ilustrar desespero por cargos comissionados
O ano começou quente para alguns brasileiros. O descontentamento com o governo federal, por exemplo, não é novidade alguma, mas infelizmente a violência também não é. Sem estabelecer limites claros entre o público e o privado, entre sentimentos e limites legais, o brasileiro tende a atacar. Foi o que fez Alexandre Agudo, em gesto que parece inscrever o protagonista facilmente no rol de sobrenomes que sugerem as tais “piadas prontas” ou algum capítulo da série “os predestinados” do humorista José Simão. O algoz é servidor federal, que agiu de forma AGUDA alegando problemas psicológicos e insatisfação com o governo do PT. O rapaz entrou com sua picape Amarok pela portaria do Ministério da Fazenda em Brasília, destruindo o vidro da entrada e as catracas em plena madrugada de 04 de janeiro. O carro se inscreve facilmente na lista de veículos bacanas, o servidor tem estabilidade faz quase 12
anos, mas ainda assim deve para os cofres das autoridades de trânsito e parece que, efetivamente, agudizou seus sentimentos.
A novidade não se restringe às fronteiras do Brasil. Em maio de 2014, a mãe de uma servidora pública espanhola da cidade de León assassinou uma líder política local, pertencente aos quadros do PP, porque sua filha foi excluída da rede de apadrinhamentos públicos. Isso mesmo: a mocinha não foi contemplada com aqueles cargos de confiança, velhos conhecidos de nós aqui no Brasil. Os ânimos ferveram e lá se foi mais uma vida no embalo das paixões e leituras tortas da realidade.
A soma dessas histórias me lembrou duma passagem em 2011. Era dezembro e eu desembarguei em Porto Velho, capital de Rondônia. O destino era uma cidade do interior para uma capacitação de servidores públicos. O motorista, um senhor simpático, me aguardava no aeroporto e logo rumamos com a caminhonete da prefeitura estado adentro, na direção da Bolívia. Buscando afastar o servidor do sono, puxei conversa, era madrugada. E logo perguntei que tipo de posição ele ocupava no poder municipal. Era o motorista de confiança do prefeito, um cargo em comissão sem qualquer vínculo mais perene ou garantia trabalhista estável. Diante da resposta perguntei o que ocorreria se o seu chefe não fosse reeleito em 2012, o que de fato findou ocorrendo. Com o olho arregalado, e assombrado com a
possibilidade, ele afirmou que estaria arruinado – não foi bem esse o adjetivo, mas paciência, acho que fui claro!
Disse ele que nas eleições faria de tudo, o possível e o impossível, para se manter onde estava. Emprego na cidade não existiria outro se a derrota se efetivasse.
Servidores em cargos desse tipo, a despeito do vínculo que mantém com o poder público, estagiários e terceirizados municipais somam mais de um milhão de postos de trabalho nas prefeituras brasileiras. São posições facilmente controladas, por vezes, pelos eleitos. E nesse ano vamos mexer nesse vespeiro. Arrimos de famílias, profissionais dos mais diferentes graus e posições têm ameaçados seus empregos e expectativas financeiras nas cidades brasileiras. Para parte desses, o ano começa com uma pesquisa mostrando que o índice de aceitação dos atuais prefeitos é mínimo. Tempos de crise! E é claro que isso é comum em diversos países do mundo, mas o quanto estes indivíduos estão dispostos a correr riscos?
Quantos farão, em termos utilizados pela nossa presidente da República, o “diabo” para ganharem as eleições e manterem seus posicionamentos? Quantos daqueles que estão de fora das máquinas, sedentos por uma
colocação pública em tempos de crise, farão o mesmo para entrarem? Estamos mesmo preparados pra viver mais um capítulo dessa história? Somos mesmo um povo que aceita e entende os limites da democracia? Que separa o público do privado com absoluta clareza? O exemplo agudo do servidor federal e a vida do meu amigo de Rondônia mostram que não. Mas por que trazer o caso da Espanha? Simples: para Sérgio Buarque de Holanda isso não é característica fundada no Brasil, mas de certa forma herdada dos ibéricos. Essa tal dificuldade de respeitar as leis. Assim, o micro ambiente de León reforça as suspeitas.
Que venham as eleições!