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Antes da final do Estadual, jogador diz que fugiu de Rondônia após ameaça de morte

Uma hora da madrugada de sábado, 27 de junho de 2015. Três carros deixam Vilhena, cidade de cerca de 90 mil habitantes, no Estado de Rondônia.

Nos veículos, estão dez jogadores de futebol, duas mulheres, casadas com dois dos atletas, e dois moradores da cidade que auxiliam os forasteiros na viagem. O comboio parte para Pimenta Bueno, 186 km ao norte de Vilhena.

O objetivo deles é fugir.

O medo dos atletas era sofrer represálias pela desistência de entrar em campo pelo Vilhena. O time, hoje o principal de Rondônia e presente na Série D, disputaria o primeiro jogo da final do Rondoniense, contra o Genus, 20 horas depois do início da fuga dos jogadores —desfalcado, o Vilhena acabou perdendo o título estadual.

O grupo parou de treinar e se negou a atuar na decisão estadual, devido ao atraso nos pagamentos de salários.

Na semana da partida, os jogadores se sentiram ameaçados pelo presidente do Vilhena, José Carlos Dalanhol, cartola que, apesar de nascido no Paraná, é conhecido em Rondônia como o “Gaúcho do Milho”.

Entre as ameaças relatadas à Folha por Diego Vilela Menezes dos Santos, o Rai, estavam a de cortar a alimentação da casa onde moravam de 18 a 20 jogadores, colocar fogo no imóvel e até insinuações do cartola de que temia pela integridade física de quem fizesse greve, o que foi entendido por eles como ameaça de morte.

“Fomos ameaçados porque falamos que só jogaríamos a final se recebêssemos um mês de atraso para cada jogo da decisão.

Alguns atletas estavam sem salário havia quatro meses. Passamos a ter medo quando o presidente começou a monitorar nossos passos, sabia em qual restaurante comíamos. Disse que se fosse preciso, colocaria fogo na casa onde a maioria dos atletas dormia”, disse Rai, o mais experiente do grupo que fugiu.

Aos 30 anos, o volante jogou por dez anos na Portuguesa e teve passagens pelo Paraná e pelo futebol chinês.

Desde fevereiro estava em Vilhena, acompanhado da mulher Larissa, a convite do técnico Márcio Bittencourt, ex-Corinthians. Um mês antes da fuga de parte do elenco, Bittencourt foi embora da cidade porque não recebia.



A FUGA

Para deixar a cidade, foi preciso ligar para São Paulo e pedir ajuda à Federação Nacional dos Atletas de Futebol.

“Eles estavam em situação precária, sem higiene adequada”, disse Rinaldo Martorelli, presidente da Fenapaf.

A maior parte do grupo não tinha dinheiro. Rai era exceção por já ter outra atividade para administrar —trabalha com seguros de plano de saúde e é sócio de empresa de marketing esportivo.

O sindicato comprou as passagens de ônibus saindo de Vilhena, dividindo o grupo em dois devido à disponibilidade de passagens aéreas para o deslocamento seguinte para as cidades dos atletas.

Alguns iriam a Porto Velho e outros a Cuiabá. Mas o plano de fuga mudou com o receio de que algo acontecesse de sexta, 26, para sábado.

Ficou decidido, por segurança, desistir de sair de Vilhena de ônibus e seguir nos carros de conhecidos locais até Pimenta Bueno.

Lá trocaram as passagens de ônibus compradas pelo sindicato que, inicialmente, tinham Vilhena como origem.

“Parecia cena de filme. Pararam os carros na porta de casa, colocamos as coisas e deixamos a cidade por medo. O caminho a Pimenta Bueno foi tenso. Tememos uma emboscada”, disse Rai.

A saga dele até São Paulo durou um dia e meio.

Rai continua sem clube. Pouco antes desta entrevista, o jogador recebeu ligação de um dos mais jovens que escapou com ele (pediu para não divulgar o nome).

“Conseguiu emprego, vai trabalhar em um bar na cidade que mora. Bem melhor que Vilhena”, contou Rai.

OUTRO LADO

José Carlos Dalanhol admite dois erros: o atraso de salário, que segundo ele não chegava aos três meses, e não ter registrado a carteira de trabalho dos funcionários.

“Mas nego qualquer ameaça ou falta de higiene. Os jogadores vivem em uma casa com piscina, TV a cabo, comida ótima. Eu estava vendendo minha caminhonete para pagar parte dos atrasados e até ajudar os meninos que queriam ir embora. Mas eles preferiram fugir”, disse.

Segundo ele, na semana que antecedeu ao primeiro jogo da final do Rondoniense, ele orientou alguns jogadores que evitassem sair à noite caso o time perdesse. “Tinha uns três lá, solteiros, que iam para a farra, e isso às vezes dava algum problema”.

Cada jogador tinha contrato de prestação de serviço com valor de R$ 800.

O restante do salário daqueles que ganhavam mais (teto de R$ 5 mil) era pago por fora.

“Eles terem abandonado o clube me trouxe problemas. Estou pensando em fechar o clube por cinco anos”, disse.

A pedido do sindicato dos jogadores, a CBF proibiu o Vilhena, por irregularidades, de fechar contrato de patrocínio e de contratar novos jogadores. “Não tenho elenco. Estou perdendo dinheiro. Vou processar os jogadores que foram embora e a CBF”, disse.

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