Andrey Cavalcante: “A OAB de Rondônia passou a ser verdadeiramente protagonista de causas”
Presidente da OAB rondoniense por duas vezes, Andrey Cavalcante é um entusiasta sobre o papel da Ordem no país.
Presidente da OAB rondoniense por duas vezes, Andrey Cavalcante é um entusiasta sobre o papel da Ordem no país.
Presidente da OAB rondoniense por duas vezes, Andrey Cavalcante é um entusiasta sobre o papel da Ordem no país. Em sua gestão, ele destaca a implementação de mudanças na condução de tratativas com as demais instituições e poderes. “Conseguimos, gradativamente, tornar nossa advocacia ainda mais fortalecida no Estado e reconhecida em todo o país”, disse.
Andrey Cavalcante é o terceiro entrevistado da série de matérias com os ex-presidentes da OAB de Rondônia. Eles detalham as ações nos seus momentos de gestões, reflexões sobre a categoria e o legado para a advocacia. Confira:
Rondoniagora – Como você descreveria a trajetória da OAB de Rondônia ao longo dos seus 50 anos de existência?
Andrey Cavalcante – O desafio enfrentado por aquele reduzido grupo de advogados, que encontrou dificuldades até para compor a chapa com a primeira diretoria da Seccional rondoniense da OAB naquele ano de 1974, dificilmente permitiria imaginar sua importância na instalação, quase uma década depois, de um estado então apenas sonhado.
Pois aquele embrião teve fundamental participação na criação do Estado de Rondônia. E consolidou-se institucionalmente como a hoje poderosa e nacionalmente respeitada advocacia rondoniense. Uma obra magnífica que pertence a cada um de nós, advogados. Mas tem origem e destinatário final na cidadania, no cidadão e na perspectiva de pleno acesso à Justiça.
As maiores dificuldades estiveram relacionadas, desde sempre, às distâncias amazônicas de nossa imensidão territorial, que à custa de muitos sacrifícios foram gradualmente vencidas, com a instalação de novos municípios, comarcas e subseções da Ordem. Nosso maior desafio era então de ordem administrativa, com vistas ao estabelecimento de instalações físicas para suporte ao trabalho dos advogados. Sem descuidar das responsabilidades institucionais.
Nossa representatividade sempre esbarrou no reduzido número de advogados de uma seccional recém nascida, de um estado igualmente neonato, quando comparado às demais unidades da federação. Conseguimos superar isso com a união da categoria e aprimoramento qualitativo, atributos a partir dos quais conquistamos o respeito de que nossa advocacia desfruta hoje no cenário nacional. Incontáveis batalhas foram travadas e vencidas desde então, graças ao empenho e dedicação de cada uma das diretorias instaladas ao longo desses 50 anos.
E posso afirmar, orgulhosamente, que conduzi com acerto o desempenho da advocacia pelos dois períodos em que ocupei a Presidência. De tal forma que elegemos o sucessor, o advogado Elton Assis, que também elegeu seu sucessor, Márcio Nogueira. Ambos são construtores de pontes, produtores de consenso, do terreno comum, do “common ground”. Sabem que o poder político não se constrói com o poder da violência, mas com o poder do convencimento, que favorece a adesão, esta sim fundamental.
É o poder da união, da confiança, do respeito à palavra empenhada. Está inclusive na Bíblia, em Eclesiastes 5.4, 5,5: “… Quanto fizeres algum voto ou promessa, cumpre-os sem demora, pois somente os tolos desagradam a Deus. Cumpre, pois a tua palavra! …”Portanto, é melhor não prometer do que fazer um voto e não cumprir a palavra empenhada.”
O atual presidente da OAB Rondônia, Dr. Márcio Nogueira, possui inclusive formação acadêmica específica, com certificação em negociação e liderança pela Harvard Law School Executive Education. Além de gestão de empresas de serviços profissionais pela Harvard Business School; formação executiva pela Singularity University; ciência de dados jurídicos, operações legais e design jurídico pela Future Law.
Rondoniagora – Quais foram os principais desafios enfrentados pela OAB de Rondônia durante o período em que você presidiu a entidade?
Andrey Cavalcante – Nossa gestão notabilizou-se pela implantação do Processo Judicial Eletrônico – PJE, inicialmente na Justiça do Trabalho e posteriormente na Justiça Estadual. Conseguimos capacitar toda a advocacia de Rondônia para o uso da ferramenta. Um trabalho fantástico, realizado cuidadosamente em todas as 18 subseções, com treinamento reiterado, apoio e suporte permanente. Tudo isso numa época em que vários municípios não contavam ainda com internet de qualidade minimamente razoável.
Chegamos, contudo, ao final da gestão com cerca de 40 centros de inclusão digital em todo o Estado, com ambientação padronizada e especialmente humanizada, dotados de tecnologia e colaboradores da seccional capacitados para auxílio, orientação e suporte aos Advogados. Podemos assegurar que foram entregues à advocacia de Rondônia os espaços mais bonitos, confortáveis e modernos do país.
Para tanto, foi necessária a realização de pesados investimentos na construção ou reforma de instalações físicas e equipamentos para cada um deles, o que foi possível graças ao apoio fundamental da OAB Nacional e da CAARO.
Rondoniagora – Quais foram as estratégias adotadas para fortalecer e engrandecer a Ordem durante suas duas gestões?
Andrey Cavalcante – Nossa pauta foi definida já na pré-campanha e composição da chapa. Estabelecido conceitualmente que o poder somente se atinge a partir de uma conjuminância de forças que exige medidas administrativas, institucionais e educacionais, nossa proposta foi inicialmente lastreada exclusivamente na representatividade pessoal de cada integrante da equipe.
E no convencimento de que a palavra empenhada na campanha seria respeitada, como de resto comprovadamente foi. Tanto, que conseguimos nossa própria reeleição, seguida da eleição de Elton Assis e, depois dele, do atual presidente, Dr. Márcio Nogueira, cuja administração tem recebido merecidos aplausos e reconhecimento não apenas, embora especialmente, da advocacia rondoniense, mas também da OAB nacional.
Atuamos pesadamente no fortalecimento de nossa representação do interior, com a consolidação da rede física, sem descuidar da defesa intransigente das prerrogativas, do apoio à jovem advocacia e do permanente oferecimento de cursos, palestras e trocas de experiências entre advogados. Fortalecemos igualmente todas as comissões temáticas que integram o nosso sistema. Defendemos Direitos Humanos, as garantias legais aos indivíduos e grupos contra ações que agredissem suas liberdades fundamentais e a dignidade humana.
Rondoniagora – Quais foram as principais conquistas da OAB de Rondônia sob sua liderança?
Andrey Cavalcante – Quando assumi a presidência da seccional, em 2013, implementei uma mudança na condução de tratativas com as demais instituições e poderes. Amplificamos esse diálogo para um nível de excelência. E conseguimos, gradativamente, tornar nossa advocacia ainda mais fortalecida no Estado e reconhecida em todo o país.
O correto – e responsável – manejo das legitimidades e competências constitucionais da entidade, até mesmo junto aos órgãos de controle, obedeceu a criteriosas triagens. Penso que assim também elevamos o respeito da instituição perante os poderes constituídos, não apenas no Judiciário, mas também no executivo e legislativo. A OAB de Rondônia passou a ser verdadeiramente protagonista de causas.
Sempre acreditei que a educação é transformadora. Assim, foi prioridade da gestão a realização de investimento no desempenho da Escola Superior da Advocacia. Um trabalho que muito me orgulhou, pelos resultados, foi o excepcional volume de horas-aula disponibilizados a toda a advocacia rondoniense.
Rondoniagora – Como você vê o papel da OAB de Rondônia na promoção da Justiça e defesa dos direitos dos cidadãos do estado?
Andrey Cavalcante – Acredito que a primorosa definição do jurista e professor Pedro Serrano enquadra-se à perfeição à nossa concepção filosófica da questão. Ele explica que os direitos não foram conquistados com longos e belos textos assentados em papel luxuoso. Ou perfumados, como as antigas cartas apaixonadas. Ao contrário, foram conquistados por décadas de lutas. À custa de muita dor e sofrimento, muito sangue nas calçadas, muita humilhação e morte.
“Aqueles heróis nos entregaram esse tesouro: a cidadania, o direito a ter direitos. Edmund Burke estabelece que o direito não é conquista de uma geração. Não pode ser uma decisão firmada só entre os vivos. É um legado de gerações passadas que nos foi entregue com o compromisso de passá-lo às gerações futuras”. É uma responsabilidade da qual jamais poderemos nos desviar, o que só é possível na democracia, dentro do estado democrático de direito e do absoluto respeito à constituição.
Rondoniagora – Quais foram as medidas tomadas para fortalecer a advocacia e garantir melhores condições de trabalho para os advogados durante seu mandato?
Andrey Cavalcante – Conseguimos reformar todas as subseções do Estado, com padronização de sua estrutura. Além disso, conseguimos a doação de um terreno em Cacoal, para o qual foi idealizado um projeto estrutural e arquitetônico assinado por Giordano Rogoski. Entregamos cerca de 50 por cento daquela obra, que, repito, é a subseção mais linda do sistema OAB brasileiro. A obra foi concluída na gestão de meu sucessor, Elton Assis, que deu continuidade ao trabalho.
Também assinados pelo arquiteto Giordano Rogoski, deixamos três projetos idealizados, merecendo destaque o do clube dos advogados de Ji-Paraná, onde também entregamos o registro documental da propriedade, fortalecendo o acervo patrimonial da subseção. Também executamos a reforma estrutural no clube da OAB na capital, juntamente com o hotel de trânsito. Humanizamos aquele espaço de lazer, que hoje é usufruído não só pela classe, mas por toda a sociedade rondoniense.
Fizemos uma completa reformulação em torno do fortalecimento da estrutura orgânica da seccional. Modernizamos a assessoria de imprensa, criamos a Procuradoria Jurídica no âmbito da seccional, com dois advogados contratados para servirem às atuações em favor de toda classe, com destaque à defesa das prerrogativas, bem como às atividades que se relacionam a defesa da sociedade, também missão institucional da OAB.
Grandes lutas e bandeiras foram tiveram notável contribuição da seccional, os gêneros e cotas foram tratados com o alcance e respeito merecidos. Nossa seccional teve um papel relevante no diálogo que culminou na sanção presidencial do sistema tributário simples, retirando da informalidade a absoluta maioria da advocacia brasileira.
Como forma inovadora, visando dar uma melhor autonomia financeira às 18 subseções, repassamos 50 por cento das contribuições referentes à Lei Estadual 180/87. Isso foi um divisor de águas em torno da harmonização gestora do sistema OAB em nosso estado: as diretorias das subseções puderam assim decidir sobre aplicação de valores e investimentos, obedecendo à realidade de cada região.
Atuamos, ainda, na aproximação da advocacia de Rondônia em relação às lideranças nacionais, de forma que a advocacia rondoniense pudesse conhecer, pelo exemplo e troca de experiências, a força de suas ideias.
Tive a felicidade de capitanear a condução política de nossas postulações eleitorais. Contabilizamos quatro gestões vitoriosas, com meu nome na liderança das duas primeiras. Sempre pautados no bom diálogo, conduzido pela razoabilidade e busca de pontos de convergência. A equação “soma e multiplica” foi farol a guiar a nossa articulação política.
Sempre achei imperioso destacar, em nosso processo eleitoral, habilidades arquitetônicas em benefício da construção de ambientes favoráveis ao sucesso. O diálogo bem orquestrado foi cimento na construção das pontes que careciam ser erguidas, sobretudo quando haviam divergências de pensamentos e diferenças a serem vencidas.
Em relação à política nacional, nosso partido é a OAB e nossa ideologia é a defesa da democracia e do estado democrático de direito. Ou, como preferia o advogado, filósofo, historiador do pensamento político, escritor e senador vitalício italiano, Norberto Bobbio, “Nem com Marx, nem contra Marx”.
Só para esclarecer: defensor da democracia social-liberal e do positivismo jurídico e crítico ferrenho de Marx, do fascismo italiano e do Bolchevismo, Bobbio, falecido em 2004, é apontado como o maior teórico do direito e o maior filósofo italiano da segunda metade do século XX.
Escrevi há tempos um artigo no qual citei o ex-presidente da OAB Nacional, Felipe Santa Cruz, para quem “Os dramas do Brasil só podem ser enfrentados dentro do Estado democrático de direito, pelo fortalecimento da democracia. Os problemas da democracia só se curam com mais democracia, mais transparência, mais sol, mais radicalização do processo de convivência”.
A Ordem dos Advogados do Brasil tem um compromisso que não é dela, apenas. É da sua história, mas é também da democracia brasileira.
Foi o modelo da democracia brasileira que deu à OAB tarefa de liderar a sociedade civil, de garantir o livre trânsito das ideias, daquilo com que concordamos e do que discordamos. Aqui, a Ordem pode ser a ponte que se instala no terreno pantanoso no qual alguns querem cavar fosso.
Há setores, porém, que imaginam ser o advogado um inimigo a ser combatido. Não um adversário a ser enfrentado no campo das ideias, no exercício do contraditório. São espíritos inquisitoriais para os quais o estado ideal é o policial e o direito constitucional à ampla defesa apenas favorece os criminosos.
É o Brasil que insiste em jamais deixar de ser o Brasil de Stanislaw Ponte Preta: – “Quando estamos fora, o Brasil dói na alma; quando estamos dentro, dói na pele”. Felizmente é também o Brasil da OAB, que jamais se verga, não transige, não compactua, não acompadra e não esmorece, na defesa do cidadão, da constituição e do estado democrático de direito.
Via Rondoniagora