Atualmente o mundo inteiro está muito preocupado com as mudanças climáticas. O ano de 2023, por exemplo, foi o mais quente de toda a História. A Amazônia enfrentou nesse ano uma seca fora de série. São os efeitos das devastações ambientais que já estão castigando a todos com as suas terríveis consequências. Por isso, reuniões, encontros, congressos, simpósios, seminários, conferências do clima, debates, discussões, concílios, são realizados para enfrentar a questão. Mas parece que em Rondônia, um fim de mundo inexpressivo e distante, essa discussão ainda não chegou. Nas terras de Rondon, discute-se abertamente sobre a recuperação da BR-319, que liga Porto Velho ao Careiro da Várzea no Amazonas. Uma extensão de 900 quilômetros rasgando a intacta floresta amazônica e que certamente vai decretar o melancólico fim do que ainda resta de mata nativa por aqui.
Em 2008, o presidente Lula criou o Fundo Amazônia para captar recursos de outros países a fim de monitorar e combater o desmatamento na região. Esse Fundo foi paralisado em 2019 no governo Bolsonaro e retornou agora. Vários países desenvolvidos contribuem com a ideia. Dinamarca, Estados Unidos, Suíça, Noruega (maior doador), Alemanha, Reino Unido e até a União Europeia como um todo. Desde que foi criado, o Fundo Amazônia já arrecadou quase seis bilhões de reais.
Mas um deputado federal de pouquíssima expressão do União Brasil de Rondônia é autor de um projeto de lei que permitirá o uso dos recursos desse Fundo para asfaltar a assassina e antiambiental BR-319. Ou seja, segundo esse parlamentar, o dinheiro que seria para proteger a Amazônia deve ser usado para fomentar as invasões de terras protegidas causando mais destruições.
O Fundo Amazônia foi criado exatamente para proteger a floresta amazônica contra o desmatamento e a desertificação crescentes. Óbvio que ao asfaltar de novo esse trajeto, aumentarão a grilagem de terras, o desmatamento ilegal e as queimadas danosas. Podem até asfaltar com o dinheiro público, mas usar o Fundo Amazônia seria um deboche sem tamanho. Além do mais, Porto Velho, Manaus, Rondônia e Amazonas não têm importância nenhuma na já tosca realidade nacional. Essa fatídica estrada nada vai trazer de desenvolvimento nem de progresso para ninguém daqui. Só desmatamentos, invasões, grilagem, mortes, garimpos e mais destruição e danos à natureza. Por isso, Alemanha e EUA se preocupam com a volta dessa BR. Os doadores do Fundo estão alertando contra os planos de pavimentá-la com o dinheiro deles. E todos já estão observando “de perto”.
Um porta-voz do governo alemão, o segundo maior doador do FA, já disse que o apoio a um projeto deste tipo “não é possível” de acordo com as regras estabelecidas. E os EUA entendem que o Fundo utilizará os recursos “de forma consistente com os seus regulamentos”. Ambientalistas temem que projetos assim provoquem uma explosão na destruição da floresta, ao facilitar o acesso de madeireiros ilegais a áreas remotas. O investimento em projetos de infraestrutura de grande escala não está previsto entre as ações do decreto presidencial de 2008, que diz como o Fundo deveria gastar seu dinheiro. A discussão sobre o destino da BR-319 já chegou a Porto Velho: integrantes de um grupo de trabalho do Ministério dos Transportes apresentou à sociedade local os principais pontos da proposta estudada para pavimentar a rodovia, como se meia dúzia de brasileiros ignorantes pudessem decidir o destino de toda a Amazônia, que tem importância mundial.
*Foi Professor em Porto Velho.