Logo após o governo Lula tomar posse em janeiro de 2023, uma das primeiras providências foi reabrir a Mesa de Negociação Coletiva com a participação das mais diversas categorias de servidores do poder executivo federal. Na primeira rodada de negociação com as entidades representativas em maio de 2023 o governo concedeu reajuste linear de 9% para todas as categorias e de quebra aumentou o auxílio-alimentação, que passou de 458 para 658 reais. E em 1º de junho de 2024 o auxílio-alimentação foi reajustado para 1.000 reais.
Mas não parou por aí, os funcionários públicos que amargaram cinco longos anos sem nenhum aumento salarial, no período de 2018 e 2022, no primeiro semestre de 2023 receberam reajuste e as negociações se intensificaram com acordos firmados com servidores das áreas de segurança, polícia federal e rodoviária, indigenistas e tecnologia da informação que tiveram aumentos salariais com percentuais mais robustos. De maio a julho deste ano, a Mesa fechou acordo com outras categorias que aceitaram reajustes parcelados para 2025 e 2026 e as reuniões continuam com outros segmentos de cargos e carreiras.
O funcionalismo federal tem um histórico de disputas acirradas nos bastidores do poder e da política. Categorias com maior proximidade com o governo como, advocacia pública, áreas de controle, planejamento e do ciclo de gestão, juntamente com os servidores da segurança, auditoria, tesouro, agências reguladoras e militares das Forças Armadas, sempre tiveram um tratamento privilegiado quando comparados com os demais servidores que “carregam o piano”, mormente aqueles que atuam diretamente na prestação de serviços públicos das áreas de saúde, educação, e serviços técnicos e administrativos da administração públicas federal.
Em uma análise histórica dos vários governos que passaram pela presidência do Brasil, constata-se que foi em 2003, que o então governo federal criou essa sistemática de negociações com a participação efetiva das entidades de classe, representadas pelas confederações na Mesa do antigo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão-MPOG, que foi sucedido em 2023, pelo Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos. É fato que nesse período de participação na instancia de negociação coletiva, o funcionalismo conquistou os melhores salários, principalmente encurtando a distância entre a mais alta remuneração paga aos ministros do Supremo Tribunal Federal e os salários pagos aos servidores de apoio, de nível auxiliar e intermediário, que nas décadas de 1980 e 1990 recebiam em seus contracheques a complementação salarial para atingir o salário mínimo.
Apesar da Mesa de Negociação seguir certos protocolos que foram estabelecidos por meio de um despacho da ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos publicado em julho de 2023, há uma percepção geral entre os funcionários de que essa instancia de negociação entre o governo e os servidores deveria estabelecer regras formais e previsões orçamentárias para o debate concreto sobre reajuste para cada categoria, principalmente, fixar critérios mais objetivos, como por exemplo, a previsão orçamentária que o governo dispõe para fazer frente às negociações. É fato que seguidas vezes o governo anuncia que não há recurso para reajustes e reestruturações de planos de cargos e carreiras, mas a Mesa continua com as reuniões para fechar os acordos.
Uma ação coerente do MGI seria adotar critérios objetivos antes da abertura da Mesa de Negociação com as Entidades representativas das categorias. Deveria, por exemplo, convidar especialistas em orçamento público da Secretaria de Orçamento Federal e do Ministério do Planejamento para acompanhar as reuniões e, principalmente, fixar um teto salarial que estabeleça quais segmentos poderão reivindicar reajuste e determinar que as carreiras que ganham subsídios acima de 25 mil reais, somente poderiam ter assento para negociações depois que as categorias que ganham salários menores tivessem fechado seus acordos. Mas, na prática, as categorias consideradas da elite do setor público que mantém maior proximidade com o poder, com salários que vão de 15 a 40 mil reais são as que saem na frente nos acordos e conseguem a maior fatia do orçamento, enquanto aos servidores com cargos de professores, da saúde, do PGPE, do PCCTAE, do PCCEXT, empregados públicos federais, que recebem as remunerações mais baixas ficam com as sobras orçamentárias.
Vive-se em 2024 um grande paradoxo, ao tempo em que os ministros da Fazenda e da Casa Civil, as ministras do Planejamento e Gestão que compõem a Junta de Conselho Orçamentário-JEO, tem feito um grande esforço para conter os gastos públicos, cortando no osso para cumprir o arcabouço fiscal e evitar o rombo nas contas públicas, noutra esteira, a pressão é intensa das categorias melhores remuneradas querendo salários ainda maiores. E as confederações, que representam os servidores sem grande poder de pressão, parecem fazer uma encenação de que estão lutando pelos filiados, mas na realidade fecham os olhos para os fortes segmentos do serviço público que tomam conta do orçamento com seus salários de dois dígitos.
O resultado de tudo isso é o surgimento crescente de uma casta de servidores dos três poderes da União, que passam a ter salários de primeiro mundo, acima do teto dos ministros do Supremo Tribunal Federal, como se fosse uma prática normal se locupletar com o dinheiro do contribuinte brasileiro. Conclui-se por fim, que uma das tarefas da Mesa de Negociação deveria ser a criação de regras que pudessem efetivamente diminuir de imediato as diferenças existentes entre os maiores salários das carreiras do setor público e os servidores que atuam diretamente no atendimento à população e recebem os menores salários do serviço público.
Carlos Terceiro, nahoraonline