Lei da Ficha Limpa corre risco de perder efetividade, apontam entidades

 

Entidades de classe e representativas se manifestaram, por meio de nota, contra o Recurso Extraordinário que discute a competência dos Tribunais de Contas para julgar as contas de gestão dos prefeitos que atuam como ordenadores de despesas. “A lei da Ficha Limpa corre sério risco de perder efetividade”, apontam.

A nota foi assinada pelas associações representativas das categorias de Membros dos Tribunais de Contas (Atricon, Abracom e Audicon), dos Membros do Ministério Público de Contas (Ampcon), dos Auditores de Controle Externo (ANTC) e de Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil (Fenastc) representadas por seus respectivos Presidentes

De acordo com as entidades, o entendimento de todos os Tribunais de Contas do Brasil, do Tribunal Superior Eleitoral e do Ministério Público Federal, especialmente após o advento da Lei da Ficha Limpa, é de que os Prefeitos se submetem a duplo julgamento. As contas de governo são julgadas pela Câmara de Vereadores, cabendo ao Tribunal de Contas, neste caso, a emissão de um Parecer Prévio, que somente pode ser rejeitado pelo Legislativo por decisão de 2/3 dos Vereadores.

Na hipótese, porém, em que o Prefeito decide assumir a atribuição de ordenador de despesas, os atos relativos ao processamento da despesa, integrarão, como as de quaisquer outros administradores de recursos públicos, as chamadas contas de gestão, cabendo o julgamento exclusivamente aos Tribunais de Contas, sem participação do Legislativo, conforme estabelece o artigo 71, II c/c artigo 75 da Constituição Federal.

Na nota, as entidades apontam que prevalecendo o entendimento de que os Tribunais de Contas poderiam apenas emitir Parecer Prévio sobre os atos de gestão e ordenações de despesas na maioria dos Municípios, como propõe o recurso, tem-se, sem sombra de dúvidas, o enfraquecimento da efetividade do controle externo e de proteção do patrimônio público. Isso acontece porque não foram conferidos às Casas Legislativas os meios constitucionais para assegurar o ressarcimento aos cofres públicos nos casos de desvio de recursos e corrupção.

“Tal interpretação – se vier a prevalecer – tornaria a Lei da Ficha Limpa praticamente sem efeito, na medida em que, comprovadamente, a rejeição de contas pelos Tribunais vem sendo a principal causa de impugnação de candidaturas por parte do Ministério Público Eleitoral”, explicam as entidades.

O recurso, para as entidades, também retira a possibilidade de o Tribunal de Contas atuar tempestivamente para corrigir desvios e assegurar o imediato ressarcimento do dano ao erário, já que as prestações de contas anuais não são julgadas pelo Poder Legislativo em prazo inferior a seis meses contado do encerramento do exercício em que o desvio ocorrer.

Outra consequência “indesejável” seria o de estimular que todos os prefeitos e até Governadores e o Presidente da República possam, eventualmente, assumir a ordenação de despesas, o que tornará letra morta as principais competências conferidas aos Tribunais de Contas pela Constituição Federal, notadamente o artigo 71, II, VIII, §3º: julgar contas de gestão, determinar ressarcimentos por prejuízos causados ao erário e aplicar sanções a gestores que cometeram graves irregularidades.

“Caso seja retirada essa competência constitucional dos Tribunais de Contas, mitiga-se, por conseguinte, a igualdade entre as pessoas federativas da República. De fato, quando o prefeito é ordenador de despesas de verba oriunda do Governo Federal, por meio de convênios ou acordos com órgãos federais, não se questiona a competência do TCU para julgar diretamente as contas dos prefeitos em relação aos convênios, inclusive impondo débito e aplicando multas”, explica a nota.

Para as entidades, esta diferenciação entre verba federal, de um lado, e verbas estaduais e municipais, de outro, não encontra lógica e consistência no texto constitucional. “Do contrário, equivaleria a dizer que, em uma mesma obra, com contrapartida de recursos municipais, a verba federal teria um controle técnico, enquanto a verba municipal se submeteria apenas a um controle político das Câmaras Municipais, sem atuação do Ministério Público de Contas para assegurar a observância das garantias constitucionais das partes, sujeita tão somente ao jogo partidário, o que não é condizente para esse tipo de controle e com o Estado Democrático”, explica.

O Recurso Extraordinário (RE) nº 848826 já teve votação iniciada no Supremo Tribunal Federal. O relator do Recurso, Ministro Luís Roberto Barroso, votou pela manifesta competência dos Tribunais de Contas para julgar as contas de gestão dos prefeitos que, por vontade própria. O voto manteve a decisão do Tribunal Superior Eleitoral e seguiu o parecer da Procuradoria Geral da República.

Dyelle Menezes

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