Enquanto o governo federal conta moedas em busca do equilíbrio fiscal para fechar a contabilidade pública, uma Comissão temporária faz as vezes de órgão legislativo, normatizador e operacional do governo, atropelando as atribuições técnicas e jurídicas de departamentos e órgão de consultoria do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos. A prática de criar direitos e estabelecer vantagens sem a necessidade de passar pelo crivo do poder legislativo virou rotina na Comissão de Transposição.
É certo que desde o ano de 2021 são elaboradas as tais atas procedimentais, talvez como forma de se esquivar do burocrático processo de regulamentação por decreto, que necessariamente requer uma análise da consultoria vinculada à Advocacia Geral da União e as propostas de decreto precisam ainda passar pelo olhar atento da Casa Civil. Fato é que recentemente foi divulgada no site da Comissão de Transposição, a Ata Procedimental nº10, que mais parece uma Ata Legislativa da CEEXT, pois estabelece direito para pessoas que tiveram emprego em cargos comissionados no Amapá e em Roraima e suas prefeituras, deixando de fora as pessoas que trabalharam em cargos de confiança no estado de Rondônia.
Veja:
ATA PROCEDIMENTAL 10Somente em 2023, a Comissão de Transposição já editou 13 atas procedimentais, com o propósito de resolver lacunas legais e normativas, em desacordo com as mais antigas regras, conhecidas dos tecnocratas e burocratas da administração federal, que remontam ao Brasil império, cuja cultura é de que, qualquer inovação administrativa que implique em ampliação da estrutura da máquina pública, concessão de vantagens ou aumento salarial só pode ser realizada por meio de lei aprovada pelo Congresso Nacional, que são regulamentadas por decreto do presidente da República. A propósito, para justificar a elaboração da Ata Procedimental 10, a Comissão se utilizou de vários decretos que aprovaram a estrutura de cargos da Presidência da República, da Secretaria Geral da Presidência e do próprio Ministério da Gestão e Inovação. Nada a ver.
A inovação administrativa de incorporar à União pessoas que foram nomeadas para algum cargo comissionado de direção, chefia e assessoramento nasceu da edição de uma portaria de 1º de julho de 2022, do extinto Ministério da Economia, que criou uma quantidade indefinida de cargos comissionados, para vincular ao quadro da administração federal pessoas que trabalharam para estados e mais de 30 municípios. A referida portaria também promoveu uma correlação de cargos específica, equiparando funções exercidas há 30 anos atrás, no Amapá e em Roraima, com cargos de direção e assessoramento atuais da União.
A prática de legislar e normatizar por intermédio de Ata Procedimental contraria as regras mais elementares do país, vez que compete ao poder legislativo aprovar as leis e ao poder executivo a operacionalização das leis e proceder a normatização, tendo como escopo os estritos limites da autorização legal. Dito isso, parece no mínimo inapropriado uma Comissão que tem competência operacional, se utilizar de uma Ata Procedimental para conceder a trabalhadores de dois estados e municípios o mesmo status funcional e econômico que ostentam os cargos de direção, chefia e assessoramento da alta administração pública do governo federal, os quais são da confiança do presidente da República, de seus ministros e secretários.
Com esse cenário incerto do ponto de vista da competência de legislar e normatizar ficam no ar duas perguntas: Tem como equiparar cargos comissionados outrora ocupados, nas décadas de 1980 e 1990 com o atual quadro de funções da Presidência da República? Como pessoas que assessoram prefeitos e governadores podem ter o direito de serem remunerados com o mesmo valor que é pago aos integrantes da alta administração federal? Há pessoas que não acreditam que essa engrenagem vai se sustentar perante uma análise técnica e jurídica dos órgãos de controle.
Por isso, são inevitáveis os comentários entre os servidores com larga experiência em administração de recursos humanos, hodiernamente chamada de gestão de pessoas e, orgulhosamente, muitos desses servidores e até aposentados são verdadeiros arquivos vivos do nosso ex-Território de Rondônia. São profissionais do serviço público, com vasta experiência em legislação de pessoal, que sabem que a correlação de cargos e funções é complexa e demanda conhecimento de uma vasta legislação federal, sendo esse, um dos temas mais difíceis, que requer conhecimento prático, experiência, tecnicidade e juridicidade para seu deslinde.
Portanto, diante desse fato tão inusitado, pergunta-se: onde estão as áreas técnicas e jurídicas do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos que nada fazem diante dessa destacada função legislativa e normativa da CEEXT? É consenso que um trabalho dessa envergadura tem que ser feito com zelo e cada órgão atuando nos limites de sua competência, para se evitar a paralisação do trabalho da transposição, acaso seja instaurada uma fiscalização dos órgãos de controle como CGU, TCU ou o Ministério Público.
E os rondonienses assistem a tudo isso de mãos atadas, pois essa nova regulamentação para os cargos comissionados por meio de Ata Procedimental deixou todos os rondonienses sem nenhum direito de inclusão em cargos que são equiparados as mesmas funções de confiança da Presidência da República ou do Ministério da Gestão, embora eles tenham igualmente exercido cargos comissionados durante a instalação do estado, no período de dezembro de 1981 até março de 1987.
Por isso é importante seguir o rito normal de aprovação de uma lei e nesse caso, uma medida provisória encaminhada pelo próprio Executivo ao Congresso Nacional, daria oportunidade aos parlamentares da bancada de Rondônia para fazer justiça aos trabalhadores que eles representam, colocando o mesmo direito para os servidores nomeados em cargos de confiança nos estados e municípios de Rondônia.
Carlos Terceiro, Jornalista