O governo federal mantém em seu quadro de servidores 43 funcionários públicos com mais de 75 anos e que, portanto, deveriam – por lei – estar aposentados compulsoriamente. Juntos, eles ganham cerca de R$ 3,5 milhões por ano.
As irregularidades foram identificadas em auditoria realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU) a qual o Metrópoles teve acesso. A pasta traçou uma série de recomendações, entre as quais o desligamento desses servidores.
O fato de esses funcionários permanecerem ativos contraria a Constituição, que estabelece que servidores “serão aposentados compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 75 anos de idade”.
O levantamento da CGU, publicado no último dia 15 de setembro, foi realizado com base na folha de pagamento de maio de 2019. A Controladoria identificou que o problema persiste ao menos desde dezembro de 2017.
Naquele ano, durante o governo do presidente Michel Temer (MDB), a CGU apontou 53 ocorrências semelhantes: de servidores ativos com mais de 75 anos. Desde então, muitos seguem sem a aposentadoria.
Parte desses servidores está com o processo de aposentadoria em andamento, mas não recebeu ainda o benefício por problemas nos sistemas. Em outubro de 2019, a CGU pediu uma atualização, mas o governo não respondeu sobre 35 ocorrências.
Um dos funcionários públicos da União ativos – o mais velho deles – tem 87 anos. O servidor está lotado no Ministério da Saúde e deveria, com base na legislação brasileira, ter se aposentado há pelo menos 12 anos.
A CGU analisa que manter o quadro de servidores ativos com mais de 75 anos pode infligir o princípio da eficiência da administração pública, tendo em vista o “risco de limitação na execução das atividades laborais”.
Além disso, a Controladoria-Geral da União aponta, no relatório, para uma possível “violação dos princípios da isonomia e da impessoalidade”, que devem reger a atuação da administração pública.
“Há de se considerar também possível economia da União que a concretização dessas aposentadorias deve incorrer em uma diminuição no fluxo de gastos com salários, auxílios e indenizações”, complementa a pasta.
Anistiados
A CGU identificou oito casos de anistiados, ex-empregados públicos, regidos originalmente pelo regime celetista (quando ainda não havia a obrigação de contratação por concurso público definida pela Constituição de 1988) e que regressaram ao serviço público com mais de 75 anos. Juntos, ganham R$ 1,1 milhão por ano.
Esses servidores, no entanto, não necessariamente deveriam estar aposentados, uma vez que o governo federal não prevê a aposentadoria compulsória para os empregados públicos celetistas, mas o entendimento não é consenso.
“Existe um debate que ainda está em curso, sobre a aplicação da aposentadoria compulsória para quem contribuiu com o Regime Geral da Previdência Social”, diz o advogado Fábio Lima, do escritório Lima & Volpatti Associados.
O entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) é o mesmo adotado pela União. A Corte firmou tese de que a aposentadoria compulsória só se aplica aos servidores públicos efetivos e não alcança os cargos comissionados.
“A presença de empregados públicos celetistas com mais de 75 anos não é obrigatória. Os órgãos devem realizar uma avaliação desses empregados, à luz do princípio da eficiência, com vistas à aposentadoria compulsória”, diz a CGU.
Outro lado
Procurada, a Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal, do Ministério da Economia, informou ao Metrópoles ter realizado ajustes sistêmicos para a regularização da situação atípica de alguns servidores.
A pasta disse também ter encaminhado orientações aos órgãos, informando sobre os procedimentos operacionais necessários para regularização da situação cadastral no Sistema Integrado de Administração de Pessoal (Siape).
“Cada órgão é responsável pelas atualizações cadastrais dos servidores para que sejam viabilizadas as aposentadorias compulsórias na Administração Pública Federal”, completou a secretaria, em nota.
Reforma administrativa
A proposta de reforma administrativa enviada pelo governo federal altera a aposentadoria compulsória, mas, segundo Fábio Lima, não atinge esses servidores que estão com dificuldades para conquistar a aposentadoria.
Isso porque o texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 32/2020 extingue a aposentadoria compulsória apenas como forma de punição a servidores públicos que cometeram alguma irregularidade.
“A aposentadoria compulsória sobre a qual a PEC do governo trata é a chamada aposentadoria-sanção, aplicada em servidores que têm vitaliciedade, como magistrados, e que não podem ser demitidos”, complementa o advogado.
Metrópoles
foto ilustrativa