Perder um voo pode ser bem mais do que uma situação chata quando a viagem está sendo feita a serviço e paga com recursos do Estado: pode ser um caso de dano aos cofres públicos. A capacidade de fiscalização sobre as viagens dos servidores federais, porém, está prejudicada por fragilidades no sistema de compra direta de passagens desenvolvido pelo Ministério da Economia. O governo federal não sabe se foram mesmo utilizadas 43,3% das pouco mais de 113,5 mil passagens compradas por servidores entre março e julho deste ano.
Quando precisa de serviços oferecidos pela inciativa privada, o governo tem por regra fazer licitações: diz o que precisa e as empresas interessadas fazem propostas, com o menor preço sendo regra para a contratação. A compra de passagens aéreas não foge a essa regra: o governo contrata agências de viagens via licitação e as contratadas ficam responsáveis por atender às necessidades de viagens dos órgãos públicos.
Perseguindo um ideal de desmonte da burocracia nos serviços públicos, o governo de Jair Bolsonaro (PSL) editou, em 25 de março deste ano, a Medida Provisória 877, que dava autonomia para os próprios servidores federais buscarem os voos que precisavam fazer a serviço, uma compra direta. Para pagar as passagens, os servidores – autorizados pelos chefes – poderiam utilizar cartões corporativos, que são ligados à conta bancária da União. Na época, a promessa era de uma economia de R$ 15 milhões por ano.
Dificuldades na articulação política
Mas essa promessa de economia não convenceu deputados e senadores. Vítima da frágil articulação política do governo no Congresso, essa MP não foi votada a tempo, perdeu a validade no último dia 23 de julho e as compras de passagens voltaram a ser feitas com o intermédio das agências de viagens licitadas. Mas a regra deixou um rastro de formulários incompletos nos três meses em que esteve em vigor.
O volumoso número de processos “em andamento” é o dado que mais chama atenção em levantamento feito pela (M)dados, editoria de análise de dados do Metrópoles, no Sistema de Concessão de Diárias e Passagens (SCDP), formulado pelo Ministério da Economia. O poder público não sabe se foram efetivamente usadas 49,2 mil das 113,5 mil passagens compradas por servidores entre março e julho. Entre os processos que foram finalizados, 6.536 informaram que os bilhetes foram cancelados e em 41,8% deles o passageiros não viajou nem cancelou nos prazos previstos, praticamente impossibilitando o reembolso do prejuízo.
Dos R$ 5,4 milhões gastos por servidores federais em passagens não utilizadas, apenas R$ 549 mil (10%) foram reembolsados aos cofres públicos – segundo os dados disponíveis no sistema.
Outro lado
De acordo com o Ministério da Economia, servidores que viajam a trabalho devem prestar contas até cinco dias após o retorno. Com a adoção do sistema de compra direta, porém, o controle sobre essa obrigação perdeu, segundo nota do ministério, “agilidade”. A pasta informou que, mesmo com o sistema não mais em funcionamento, “está desenvolvendo uma ferramenta que automatizará o acompanhamento da situação dos bilhetes não utilizados, de forma a desonerar o servidor dessa atividade e aumentar o controle nas aquisições de passagens”.
Ainda segundo a pasta, o reembolso de apenas 10% do valor pago pelas passagens canceladas está relacionado ao fato de os servidores serem incentivados a comprar os bilhetes com tarifas promocionais, que normalmente não preveem devolução do valor pago. Os técnicos do ministério alegam, também, que o prejuízo ainda pode ser recuperado no período de um ano, prazo de possível remarcação das passagens.
A investigação da demora na prestação de contas cabe, segundo o Ministério da Economia, ao órgão responsável pelo servidor que viaja. Se o cancelamento for autorizado pelo gestor desse órgão, o prejuízo fica com os cofres públicos. Se a decisão – ou a culpa – pela perda do voo for do servidor, ele pode ter de ressarcir os cofres públicos. O governo não forneceu dados sobre o volume de devolução de verbas por esse motivo.
Projeto de lei “engatilhado”
Apesar de a MP 877 ter “caducado” no Congresso, o Ministério da Economia não desistiu da ideia da compra direta de passagens. “A equipe técnica está com o projeto de lei quase finalizado e a ideia é apresentá-lo ao Congresso. Vamos melhorar o controle nessa nova fase, mas o balanço é positivo porque o governo economizou com a compra direta e reduziu a burocracia”, disse ao Metrópoles o diretor do Departamento de Logística do Ministério da Economia, Wesley Lira.
Não há previsão oficial para o envio do texto ao Congresso.
Governo aponta economia de 13%
O Ministério da Economia, em uma comparação entre a compra de passagens por agências, no ano passado, e por compra direta, no mesmo período deste ano, disse que “a diferença entre o valor médio do bilhete é de 13%, isto é, o bilhete emitido por compra direta foi 13% mais barato do que por meio das agências. O tempo médio de emissão também foi bem menor (2,77 dias contra 4,35 dias)”.