“Discussão desnecessária”

Confira a íntegra das considerações de Professor Nazareno

Com quase 610 mil mortos pela pandemia do Coronavírus, inflação em alta,  preços dos combustíveis “matando” os consumidores, vários cidadãos pobres revirando caminhões de lixo em busca do que comer e o consequente aumento das “filas do osso” espalhadas pelo país afora, a discussão mais importante no Brasil e que envolveu grande parte das pessoas em quase todas as classes sociais, foi uma fotografia de um desenho norte-americano que mostrava o filho do personagem fictício Clark Kent, o super-homem, beijando um amigo dele. A foto virou o Brasil de cabeça para baixo a ponto de o jogador de vôlei, o bolsonarista Maurício Souza, do Minas Tênis Clube, fazer um comentário sobre o referido desenho nas redes socais e que, em tese, condenava aquele fato e por isso ele foi visto como homofóbico. E o Brasil se levantou. E todos falaram.

Por pressão da Fiat e da Gerdau, patrocinadores do Minas Tênis, o jogador foi  sumariamente demitido e a discussão tomou conta das redes sociais, da mídia e de todo o país. Em sua página pessoal no Instagram, o atleta publicou uma imagem do beijo entre os dois personagens do desenho animado com a legenda: “É só um desenho animado, não é nada demais. Vai nessa que vai ver onde vamos parar”. Foi o bastante para muitos dizerem que se tratava de uma postagem homofóbica. Porém, a discussão está totalmente equivocada e fora de propósito. O Brasil vive dias de agruras com a volta da fome e a pobreza só aumentando. Vivemos dias tensos com o presidente do país ameaçando as instituições democráticas e criando crises institucionais. Suas declarações assombram todos. Somos um pária no mundo desenvolvido. O caos é aqui.

Maurício ou qualquer outra pessoa tem todo o direito de emitir sua opinião sobre qualquer tema. Porém, é preciso observar se no seu contrato com o time de vôlei havia alguma cláusula que o impedia de fazer isso devido a questões de imagem tanto dele quanto do clube e indiretamente também dos patrocinadores. Além do mais, preocupar-se com a sexualidade dos outros da forma como foi feita dá a entender que a postagem foi mesmo homofóbica. E isso é delito, segundo a nossa legislação. A liberdade de expressão no caso não deve ser exercida publicamente já que pode induzir a crimes. O Brasil é o país que mais mata homossexuais no mundo e a sexualidade de terceiros não diz respeito a ninguém, somente ao próprio indivíduo que vive as suas volúpias. Mas com o Bolsonaro e seus seguidores, vive-se o preconceito e a discriminação às minorias.

Além de bolsonarista, o jogador de vôlei deve se candidatar a algum cargo político por qualquer um dos partidos da extrema-direita, que admira. E parece que foi mesmo tudo de caso pensado. Maurício Souza pode até ter perdido um bom dinheiro no clube em que atuava, mas ganhou likes e compartilhamentos nas suas redes sociais e turbinou ainda mais a sua notoriedade para poder disputar um cargo de deputado federal ou mesmo de senador por Minas Gerais. Já ao Brasil e aos brasileiros sobrou a vergonha de se envolver mais uma vez em discussões estéreis, inúteis, desnecessárias e sem sentido numa nação que vive um de seus piores momentos tanto na sociedade dividida quanto na política e na economia. País de contradições sociais e muito injusto, aqui pessoas catando comida no lixo não incomoda tanto quanto uma foto de um desenho animado publicada lá nos Estados Unidos. E já pensou se o Flamengo não for campeão?

*Foi professor em Porto Velho

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