A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) apurou em depoimentos colhidos nesta semana que uma deformação progressiva na barragem de Brumadinho (MG) vinha sendo detectada em monitoramento da mineradora Vale antes da ruptura ocorrida em 25 de janeiro. A tragédia deixou, segundo os dados mais atualizados da Defesa Civil de Minas Gerais, pelo menos 246 mortos. Ainda estão desaparecidas 24 pessoas.
Informações acerca da deformação foram inicialmente expostas na segunda-feira (1º). O arquiteto Tércio Andrade Costa, funcionário da Vale responsável por operar equipamentos chamados de radares interferométricos, apresentou dados observados no monitoramento 11 dias antes do rompimento. Uma deformação era notada na barragem em uma área de aproximadamente 14,8 mil metros quadrados.
“A última leitura que fiz foi dia 14 de janeiro. Até então, as áreas com deformação identificadas pelo radar eram de, aproximadamente, 200 ou 400 metros quadrados. Em janeiro, o equipamento identificou uma área com 14,8 mil metros quadrados. Quase 1,5 hectare”, disse Tércio. Segundo ele, todas as informações foram repassadas a superiores hierárquicos, alguns deles vinculados à diretoria de Operações do Corredor Sudeste da mineradora.
Ontem (4), a CPI ouviu Silmar Silva, que à época da tragédia era o diretor de operações do corredor sudeste da Vale. Atualmente, ele está afastado das funções. Silmar foi questionado sobre as medições. “Eu nunca tive nenhum conhecimento das alterações detectadas pelo radar. Só tomei conhecimento dessas discussões expostas pelo Tércio após o rompimento. Mas também não sei dizer qual a relevância [dessas deformações] ou se elas contribuíram para a ruptura”, afirmou.
De acordo com Tércio Andrade, as medições na barragem de Brumadinho tiveram início em março de 2018. A área de 14,8 mil metros onde foi detectada a deformação, quando analisada em todo o período de monitoramento, apresentava um gráfico em linha reta. Por outro lado, o gráfico revela tendência para virar uma parábola ao se considerar apenas as medições entre dezembro de 2018 e o dia 25 de janeiro, data em que ocorreu a ruptura.
“Quando isso ocorre, quer dizer que a área começou a se deformar mais rapidamente num curto período de tempo. A isso chamamos de deformação progressiva”, explica Tércio. O arquiteto disse operar radares interferométricos na Vale desde que a tecnologia chegou ao Brasil, em 2013. Um treinamento foi oferecido pelo fabricante do equipamento. Além da barragem em Brumadinho, ele monitora ainda estruturas em duas minas da mineradora localizadas em Nova Lima (MG).
Em nota, a Vale afirmou que o radar interferométrico era um instrumento complementar utilizado em conjunto com as demais ferramentas de monitoramento para verificação de possíveis anormalidades. A mineradora alega ainda que o equipamento estava operando em modo de teste para futura utilização durante o processo de descaracterização da estrutura. “A orientação era que os resultados apontados pelas ferramentas de monitoramento fossem posteriormente analisados in loco pela inspeção da equipe de geotécnicos para confirmação ou não de anomalias observadas nos instrumentos”, registra a nota.
Diretores
A CPI ouviu ontem (4) dois executivos da Vale. Além de Silmar, prestou depoimento Lúcio Cavalli, que respondia pela diretoria de planejamento e desenvolvimento de ferrosos e carvão. Ambos estão afastados de suas funções desde março de 2019, quando a mineradora acatou uma recomendação emitida conjuntamento pelo Ministério Público Federal (MPF), pela Polícia Federal, pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e pela Polícia Civil.
Como em outras ocasiões, Silmar e Lúcio afirmaram que, antes do rompimento, a barragem não apresentou nenhum sinal de instabilidade. Eles sustentam que não houve nenhum alerta para o risco de ruptura, que ocorreu de forma abrupta. “Estamos debruçados sobre a questão para entender o que aconteceu”, acrescentou Lúcio Cavalli. A versão dos dois diretores tem sido confrontada pelos parlamentares com depoimentos prestados por outros funcionários da Vale.
Em abril desse ano, por exemplo, o engenheiro de recursos hídricos da mineradora, Felipe Figueiredo Rocha, prestou depoimento à CPI do Senado Federal e afirmou que, no último dia de um painel de especialistas internacionais realizado pela Vale em novembro de 2018, Silmar e Lúcio estavam presentes. Na ocasião foi apresentado um estudo interno da mineradora, no qual a barragem de Brumadinho estava em uma lista com dez estruturas classificadas em “zona de atenção”. Felipe foi um dos autores deste estudo. “Apesar de não serem riscos iminentes e sim riscos possíveis, foram apresentados tanto para a diretoria como para a diretoria executiva”, disse o engenheiro em abril.
CPIs
Enquanto a CPI da ALMG ainda agenda depoimentos, a CPI do Senado caminha para a conclusão dos seus trabalhos. Na terça-feira (2), o relator Carlos Viana (PSD-MG) apresentou seu parecer pedindo indiciamento de 14 pessoas, incluindo Silmar e Lúcio. A lista inclui ainda o presidente afastado da Vale, Fábio Schvartsman e dois diretores-executivos: Gerd Peter Poppinga e Luciano Siani.
O pedido de indiciamento inclui outros sete empregados da mineradora: Alexandre de Paula Campanha, Rodrigo Artur Gomes de Melo, Joaquim Pedro de Toledo, Renzo Albieri Guimarães Carvalho, Marilene Christina Oliveira Lopes de Assis Araújo, César Augusto Paulino Grandchamp e Cristina Heloiza da Silva Malheiros. Completam os 14 nomes Makoto Namba e André Jum Yassuda, dois engenheiros da Tüv Süd, empresa que atestou a estabilidade da barragem.
Uma terceira CPI, que avança na Câmara Municipal de Belo Horizonte, investiga o impacto da tragédia na capital mineira. De acordo com a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), a interrupção da captação no Rio Paraopeba ameaça a segurança hídrica da cidade. A Vale já se comprometeu com a construção de um novo sistema de captação de água. Ontem (4), representantes da estatal mineira responsável por abastecer a maioria dos municípios do estado alertou os vereadores da necessidade de aceleração dessas obras, pois se os níveis de chuva do próximo verão forem similares aos observados durante a crise hídrica de 2013, existe o risco de racionamento.
por Léo Rodrigues – Repórter da Agência Brasil Rio de Janeiro