Em uma revelação bombástica publicada pelo UOL, uma investigação minuciosa trouxe à tona um cenário alarmante nos Tribunais de Contas do Brasil. Segundo o levantamento, conselheiros dessas cortes receberam, em média, R$ 66 mil líquidos por mês em 2024 – valor que supera em mais de duas vezes a remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), fixada em cerca de R$ 31 mil e considerada o teto constitucional do funcionalismo público.
A análise, baseada em mais de 3.100 contracheques de conselheiros e substitutos de 30 das 33 cortes de contas do país, expôs uma realidade preocupante: 9 em cada 10 conselheiros ultrapassaram o limite legal, valendo-se de uma série de benefícios adicionais conhecidos como “penduricalhos”.
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Esses mecanismos, que incluem gratificações por acúmulo de função, licença-prêmio e até pagamentos retroativos de adicional por tempo de serviço – como identificado nos Tribunais de Contas do Piauí e da Paraíba –, são interpretados como legais pelos próprios tribunais, mas inflam significativamente os salários. No caso do Piauí e da Paraíba, chama a atenção o ressurgimento de benefícios extintos há 20 anos, agora pagos de forma retroativa, evidenciando uma criatividade controversa na gestão dos recursos públicos.
Conflito de interesses compromete a fiscalização
O impacto dessa prática vai além dos números. Especialistas ouvidos na reportagem apontam que os supersalários corroem a legitimidade dos Tribunais de Contas como órgãos fiscalizadores. Cláudio Couto, professor do Departamento de Gestão Pública da FGV, é categórico: “Os conselheiros perdem autoridade moral para fiscalizar outros agentes públicos quando eles próprios se beneficiam de privilégios questionáveis”. Já Rafael Viegas, doutor em administração pública pela mesma instituição, identifica uma “interdependência de privilégios” que perpetua uma espiral elitista. “As cúpulas se blindam, protegendo interesses corporativos em detrimento do interesse público”, analisa.
A situação levanta um debate ético e funcional: como confiar em instituições que, ao invés de zelar pelo bom uso do dinheiro público, tornam-se exemplos de distorções salariais? Juliana Sakai, presidente da ONG Transparência Brasil, classifica o quadro como uma “falha institucional grave”, destacando que os próprios decisores acabam sendo beneficiados por suas decisões, o que compromete a imparcialidade e a eficiência do controle externo.
TCE-RO: uma exceção positiva
Em meio a esse panorama nacional de excessos, o Tribunal de Contas do Estado de Rondônia (TCE-RO) surge como um raro exemplo de contenção. Diferentemente da maioria das cortes analisadas, o TCE-RO mantém a remuneração de seus conselheiros dentro do teto constitucional, provando que é possível exercer a função com excelência sem recorrer a artifícios que onerem ainda mais os cofres públicos. Essa postura coloca o estado em destaque como uma referência de responsabilidade fiscal, contrastando com o padrão de supersalários observado em outras regiões
Um peso para as contas públicas
A investigação do UOL não apenas escancara a disparidade salarial no funcionalismo público, mas também reacende o debate sobre a necessidade de reformas estruturais no sistema de controle externo brasileiro. Enquanto os “penduricalhos” continuam a drenar recursos que poderiam ser direcionados a áreas essenciais como saúde e educação, a sociedade cobra maior transparência e rigor na aplicação do teto constitucional.
O caso do TCE-RO mostra que o respeito aos limites legais é viável – resta saber se outros tribunais seguirão o exemplo ou se a “espiral elitista” apontada por especialistas continuará a prevalecer.
Via Alan Alex / PainelPolítico