Calama: sem médico e sem água

A simpática vilazinha de Calama no baixo Madeira é um sofrimento só. Maior distrito da área ribeirinha, o lugar é muito mais antigo do que a capital Porto Velho. Embora sua fundação esteja ligada ao Segundo Ciclo da Borracha, muitos dos antigos moradores sempre diziam que foi durante o Império, ainda no longínquo Primeiro Ciclo da Borracha, que aquelas barrancas do décimo sétimo maior rio do mundo já registravam as primeiras ocupações ali nas confluências dos rios Machado e Madeira. Assim, nos dois ciclos da borracha, portanto, Calama já contribuía com a economia da região. Mas quiseram os deuses que o distrito fosse esquecido pelas autoridades que iam surgindo uns 200 quilômetros mais acima. Em 1914 surgiu a capital de Rondônia e o esquecimento dos distritos ribeirinhos se tornou uma maldita política vivenciada até hoje. E Calama padece.

Calama não tem médico já há um bom tempo. E ninguém, nenhuma autoridade, toma providências para socorrer os humildes moradores da vila. Estar sem nenhuma assistência médica parece até normal para aqueles pobres moradores. Pessoas humildes, trabalhadoras e pacatas sem a menor ajuda do poder público é uma rotina que se presencia no dia a dia. Vinculada administrativamente ao município de Porto Velho, capital do Estado, Calama sobrevive como pode em meio a um turbilhão de dificuldades. Agora, a vilazinha está sem água encanada. Se os bravos moradores quiserem o precioso líquido, terão que descer quase trinta metros de barranco escorregadio para buscar sua água. É que a Energisa cortou a energia que abastecia a bomba que captava a água daquele povo. A concessionária de luz, hoje privatizada, disse que só fez isso por que a Caerd fez o pedido.

O “jogo de empurra” para explicar a delicada situação de Calama não convence muito. Por que a Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia quer que os moradores de Calama fiquem sem a água do rio Madeira que está ali bem pertinho deles? A própria Energisa, quando comprou a Ceron a preço de banana, não teria uma contrapartida social? Sob a lógica do capitalismo selvagem, Calama não pode dar lucro à companhia como dão as grandes cidades do Estado. E os vereadores de Porto Velho? Um deles até se orgulha de ser filho de Calama. Outros vereadores ganham votos aos montes dos coitados eleitores de Calama quando é época de eleições. Vereadores, deputados estaduais, deputados federais, senadores, governadores e prefeitos. Todos eles vão a Calama pedir ajuda. Eleitos, se esquecem do distrito e vão “trabalhar” pela capital, que tem muito mais votos.

Calama, pela grande tradição que tem e pela sua gente sincera, hospitaleira e trabalhadora, não merece passar por mais essa humilhação. Muita gente de Porto Velho não sabe, mas durante a pandemia de cólera na década de 1990, foi a vilazinha que interrompeu a transmissão do vibrião colérico pelo rio Madeira e assim salvou Porto Velho da infecção certa. Vários calamenses se contaminaram e evitaram dessa forma que a doença chegasse à capital. Por isso, ajudar Calama nessa hora não é um favor. É obrigação dos homens que se dizem públicos. Não só Calama, mas toda a área ribeirinha da capital assim como também outros lugares distantes e necessitados. Mexam-se, senhores autoridades! Mexam-se e respeitem os poucos, mas guerreiros habitantes daquela vilazinha esquecida. A Câmara de Vereadores, a Prefeitura e também as demais autoridades do Estado têm essa obrigação para com quem só quer ter o direito de existir.

*Foi Professor em Porto Velho.

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