Em uma decisão que pode ter repercussões significativas para servidores públicos em todo o Brasil, o Ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a revisão dos cálculos de correção monetária em um processo que se arrasta há mais de três décadas. A ação, movida pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado de Rondônia (SINTERO), questiona o uso da Taxa Referencial (TR) como índice de atualização monetária em um precatório milionário.
O caso, que teve origem em 1989, envolve diferenças de enquadramento no Plano Único de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos, instituído pela Lei nº 7.596/1987. Após anos de disputas judiciais, um acordo foi firmado em 2017, resultando no pagamento de um precatório de aproximadamente R$ 612 milhões em 2018.
Contudo, o SINTERO argumenta que o índice de correção monetária aplicado (TR) não reflete adequadamente a perda do poder aquisitivo da moeda, pleiteando a utilização do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).
O Ministro Zanin, em sua decisão, determinou que a correção monetária dos débitos seja feita da seguinte forma:
- Até 9 de dezembro de 2021: utilização do IPCA-E
- A partir de 9 de dezembro de 2021: aplicação da taxa SELIC
Esta decisão está alinhada com o entendimento firmado pelo STF no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 870.947, conhecido como Tema 810 de repercussão geral.
A União, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), interpôs um agravo interno contra a decisão de Zanin. A AGU argumenta que houve um acordo prévio entre as partes, homologado judicialmente, e que a revisão dos cálculos agora violaria princípios como a segurança jurídica e a boa-fé processual.
A AGU, alega ainda que os servidores do processo dos técnicos administrativos da educação sabiam previamente que seria pela TR e que agora não cabe mais questionamentos nesse sentido. Segundo o advogado Luís Felipe Belmonte, na audiência pública realizada em 2017, na sede do MPT/RO, os servidores foram chamados para assinar a concordância como valor inicial de R$ 652 milhões, mas, em momento algum foi citada a Taxa Referencial, disseram apenas que teria correção sobre o valor.
Muitos servidores com idade avançada assinaram o acordo sob a alegação deles de que, caso não concordassem com apenas o valor do montante (652), não receberiam no ano seguinte.
Veja fotos da audiência:
O advogado trabalhista Dr. Jorge Souto Maior, professor da Universidade de São Paulo (USP), comentou sobre o caso: “Esta decisão do STF reafirma a importância de se utilizar índices que realmente reflitam a inflação para a correção de débitos judiciais. É uma questão de justiça para os trabalhadores que já esperaram tanto tempo por seus direitos.”
A controvérsia sobre os índices de correção monetária em débitos judiciais não é nova. Em 2020, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) já havia se manifestado sobre o tema, definindo o IPCA-E como índice de correção monetária para débitos trabalhistas no período anterior à vigência da Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista)
O impacto financeiro da decisão ainda é incerto, mas especialistas estimam que possa chegar a centenas de milhões de reais. O economista André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da FGV, explica: “A diferença entre a TR e o IPCA-E pode ser substancial ao longo dos anos. Em períodos de alta inflação, essa discrepância se acentua, podendo resultar em valores significativamente maiores quando aplicado o IPCA-E.”
O caso dos servidores de Rondônia não é isolado. Em todo o país, diversas ações judiciais questionam os índices de correção monetária aplicados em precatórios e outros débitos judiciais. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2023, o estoque de precatórios da União, estados e municípios ultrapassava R$ 100 bilhões [CNJ – https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/precatorios/].
A decisão final sobre o caso de Rondônia poderá servir como um importante precedente para outras ações similares em tramitação no Judiciário brasileiro. Enquanto isso, milhares de servidores aguardam ansiosamente por uma resolução que pode impactar significativamente seus direitos financeiros.
O SINTERO e a AGU não comentaram a decisão. O processo segue em tramitação no STF, aguardando o julgamento do agravo interno interposto pela União.
Via Alan Alex / PainelPolítico