Audiência pública realizada pelo MPF buscou soluções para formação universitária de professores indígenas em Rondônia

Indígenas e agentes públicos debateram problemas e propuseram soluções para compatibilizar trabalho e estudo dos professores indígenas

Em um auditório lotado de estudantes e professores indígenas e representantes de instituições públicas, o Ministério Público Federal (MPF) realizou audiência pública sobre a formação superior dos professores indígenas em Rondônia. A maioria dos professores indígenas tem contrato temporário com o governo estadual. Esse tipo de contrato não permite licença para capacitação e nem substituição por outro professor enquanto estudam. Os professores indígenas pedem direito à formação superior e temem demissão ou descontos por faltas ao serviço no período em que estão fora das salas de aula para estudar. A audiência pública serviu para encaminhamento de propostas para resolver esta situação.

O evento foi realizado na quarta-feira (3), no auditório do Instituto Federal de Rondônia, em Ji-Paraná. Na cidade, a Universidade Federal de Rondônia (Unir) oferece o curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural, reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC) desde 2016, que tem como público prioritário os indígenas que desejam ser ou já são professores nas escolas indígenas. O curso é o mais procurado do campus da Unir em Ji-Paraná, tem 322 alunos de vários municípios rondonienses, dos quais cerca de 100 estudantes têm vínculo de trabalho com a Secretaria de Educação do Estado (Seduc).

O procurador da República Leonardo Caberlon destacou, durante a audiência pública, que o problema central é que, embora desde 2010 exista em Rondônia a Lei Complementar Estadual nº 578, sobre o magistério indígena, que prevê concurso público para professores indígenas a cada dois anos, até hoje só houve um concurso. “A falta de professores concursados e o uso constante de contratos emergenciais/temporários têm causado prejuízos à educação escolar indígena porque afeta tanto os professores, que não podem se afastar para capacitação, quanto os alunos, que perdem qualidade na educação”, disse. Ele também lembrou que, pela legislação, o docente em escola indígena deve ser prioritariamente professor indígena da própria etnia.

Debates – A professora doutora Edineia Aparecida Isidoro, da Unir, enfatizou que há mais de 15 anos o problema é debatido, sem encontrar soluções. O cacique Antenor Karitiana lembrou que os professores indígenas estão nas escolas graças aos movimentos indígenas. “Não queremos que o governo barre a nossa formação, mas sim que facilite a formação dos professores”, afirmou.

O líder indígena Pio Cinta Larga falou que o governo estadual construiu escola na aldeia Roosevelt e que isso mudou a situação de seu povo. “Se a pessoa estuda, abre a mente. Não desistam”, disse aos estudantes presentes. O cacique Fernando Kwazar falou que “não pode ser prejudicado nem aluno e nem professor. Se hoje é difícil, no futuro será pior. Por isso precisamos de professores formados”, enfatizou. O aluno Adriano Oroin Cabixi relatou que todos os indígenas que estão com vínculo com a Seduc ficam desestimulados. “Quando saímos da aldeia, queremos garantia. Nós nos sentimos tímidos de frequentar o curso Intercultural”.

O cacique Rondon Cinta Larga, da aldeia central, disse que sua etnia tem sete professores que estudam no curso Intercultural. “Eu não quero que o meu parente seja igual a mim que não aprendi. O professor indígena quando saí para estudar, a escola fica sem professor. Não queremos essa situação. Acho que o estado tem medo do indígena aprender para saber o seu direito”.

A indígena Laura Karitiana ressaltou que também há merendeiras e zeladoras que estudam no curso Intercultural. “Temos fome da educação. Quem tem que definir como deve ser a educação indígena é o povo indígena. É garantido pela lei e assim deve ser na prática.”

O representante da Comissão dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB, Roger Moreira, informou que pela legislação atual não é possível ter substituição de professor com contrato emergencial/temporário. “Hoje é o começo de uma luta dos professores que querem a formação universitária, mas não podem perder o contrato e sustento de suas casas”.

O líder indígena Firmino Arara falou que o professor não-indígena em algum momento vai embora das aldeias e que quem fica é o professor indígena, que vai passar a vida e morrerá com seu povo. O indígena Railan Jabuti ressaltou que zeladoras e merendeiras também têm que ter educação continuada. Tiago Suruí, representante da Organização dos Professores Indígenas (Opiroma), disse que “a gente quer ser protagonista da nossa história. Por isso que estamos aqui para nos qualificar, para dar uma boa aula para os nossos alunos”.

Propostas – Após os debates, propostas foram apresentadas: realização de novo concurso público para professores efetivos, alteração da lei do magistério indígena para possibilitar que os professores emergenciais/temporários tenham substitutos durante o período de aulas na Unir, pagamento de horas extras a professores substitutos, oferta de bolsas pela Fundação de Amparo ao Desenvolvimento das Ações Científicas e Tecnológicas e à Pesquisa de Rondônia (Fapero) para professores substitutos, criação de comissão para dialogar com a Seduc, realização de termo de cooperação entre Seduc e Unir para que os professores universitários não sejam prejudicados. O procurador Leonardo Cabelon relatou que órgãos importantes foram convidados e não estavam presentes, como a Procuradoria-Geral do Estado e a titular da Seduc.

Entre os encaminhamentos constou que o MPF analisará as informações, sugestões e depoimentos a fim de adoção de medidas. Também será realizada reunião com Seduc, Unir, movimentos indígenas e estudantes para a discussão de um termo de cooperação a respeito da participação dos professores contratados temporariamente pela Seduc no Curso Intercultural.

Alojamentos – Ao final da audiência, os universitários indígenas do curso Intercultural fizeram uma manifestação sobre a moradia estudantil. Sem alojamentos e sem recurso suficiente para pagar aluguéis, estudantes indígenas estão morando em barracas no campus de Ji-Paraná. Eles relataram que a situação precisa ser resolvida e pediram providências para que sejam disponibilizados alojamentos, principalmente aos que vêm das aldeias.

O pró-reitor Daniel Delani, da Pró-Reitoria de Cultura, Extensão e Assuntos Estudantis (Procea) da Unir, informou que o procedimento administrativo sobre a moradia estudantil indígena está em fase de instrução e que por enquanto só consta o pedido inicial. Ele também informou que foram liberadas pelo MEC 51 bolsas de permanência, que são específicas para os indígenas e pagas durante os meses letivos.

A procuradora da República Caroline Helpa relatou que há muitos anos a prefeitura de Ji-Paraná construiu uma casa de apoio aos estudantes indígenas, com recurso proveniente do Programa Calha Norte, do Ministério da Defesa.

Após a construção, a prefeitura ofereceu à Unir a administração da casa, mas a Universidade recusou. A casa, então, foi destinada a uma cooperativa de coletores de castanhas. Atualmente a casa está desocupada. O MPF tem um procedimento administrativo para acompanhar as tratativas sobre a recuperação da casa e a retomada do imóvel como casa do estudante indígena. Enquanto a situação não se resolve, o MPF expediu uma recomendação à Unir para permitir que os universitários indígenas possam permanecer acampados no campus.

 

MPFRO

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