Artigo: “Fim das campanhas milionárias no país”, por Andrey Cavalcante

 

A proibição, decidida por oito votos contra três pelo Supremo, do financiamento empresarial das campanhas eleitorais, em acolhimento à Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela OAB não tem, obviamente, o condão de cortar o mal pela raiz e erradicar de vez a corrupção eleitoral no país.A OAB, claro, não espera isso, posto que o combate à corrupção deve ser permanente, continuado e repressivo. Mas tem agora, na histórica vitória da OAB, maior eficácia preventiva, até porque a ocasião, sabemo-lo todos, faz realmente o ladrão.

O momento eleitoral, já a partir das eleições do próximo ano, vai exigir dos próprios eleitores severa vigilância sobre os candidatos e campanhas: com o fim do investimento empresarial, será mais fácil a identificação do uso de caixa dois. Campanhas milionárias serão forte indicativo desse desvio. O mais provável – ainda que alguns espertalhões resolvam arriscar-se com o plantio de um verdadeiro laranjal – é que as campanhas sejam reduzidas para baratear os custos. E os candidatos serão obrigados a adotar, estrategicamente e por imposição da realidade, o que a propalada reforma eleitoral não conseguiu adotar: o voto distrital. Isso abre espaço para candidatos mais conhecidos – e comprometidos – nas comunidades. E para o surgimento de novas lideranças reais, não aquelas adquiridas ou, mais exatamente, contratadas a peso de ouro.

Toda essa nova perspectiva não passou pela cabeça do ministro Gilmar Mendes, que segurou por um ano e meio a votação da ação da OAB e, quando decidiu apresentar seu voto, manifestou uma visão unilateral e totalitarista da questão. Deixou clara sua condenação de partidarização e comprometimento ideológico da proposta, para ofender à OAB e a todos os demais integrantes daquela Corte. E foi ainda além, ao tentar impedir a manifestação do secretário-geral do Conselho Federal, Cláudio Pereira de Souza Neto, que ali representava a advocacia brasileira. Contrariado pela intervenção do presidente Ricardo Lewamdowski, decidiu abandonar grosseira, abrupta e inopinadamente a sessão.

Merece aplausos o Colégio de Presidentes da OAB tanto pelo desagravo do secretário-geral, Cláudio Pereira de Souza Neto, como pela moção de aplausos ao presidente Ricardo Lewandowski. É importante reiterar que, “naquele momento, o secretário-geral da OAB representava toda a advocacia brasileira, que tem legitimidade para se manifestar na Suprema Corte. E o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, levantou-se na defesa da dignidade da profissão ali afrontada”- disse o presidente da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho.

A nota do Colégio, que repudiou “os ataques grosseiros e gratuitos, desprovidos de qualquer prova, evidencia ou base factual”, que o ministro Gilmar Mendes fez à Ordem dos Advogados em seu voto. “Seu comportamentoé incompatível com o que se exige de um Magistrado, fere a lei orgânica da magistratura e está na contramão dos tempos de liberdade e transparência. Não mais é tolerável o tempo do poder absoluto dos juízes. Não mais é aceitável a postura intolerante, símbolo de um Judiciário arcaico, que os ventos da democracia varreram. O desrespeito às prerrogativas profissionais do advogado foi também um ato de agressão à cidadania brasileira e merece a mais dura e veemente condenação” – diz o documento.

É claro que não se pode considerar, a priori, que todas as doações empresariais a candidatos e partidos políticos tivessem origem na corrupção. Mas somente por deliberada e comprometedora miopia moral se pode considerar que as maiores doações – conforme atestam as delações dos acusados pela Lava Jato – não foram fruto de negociatas com o dinheiro público.A proibição das doações empresariais não vai – como dissemos – colocar isoladamente um ponto final no sistema predador e corrupto no qual se transformaram as eleições no país. Mas deixa, com certeza, o monstro ferido de morte ao ataca-lo em sua inquestionável e principal incubadora.

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