O Ministério Público Federal (MPF) atuará em seis inquéritos relativos a crimes de homicídio praticados contra líderes de trabalhadores rurais e outras pessoas que denunciaram grilagem de terras e exploração ilegal de madeira em Rondônia. Até então, os crimes eram investigados pelas autoridades estaduais. A decisão de federalizar a apuração das mortes foi tomada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) na última quarta-feira (23), ao acolher pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) feito em setembro de 2019, por meio do Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) 22.
Os inquéritos federalizados se referem às mortes de Renato Nathan Gonçalves, Gilson Gonçalves, Élcio Machado, Dinhana Nink, Gilberto Tiago Brandão, Isaque Dias Ferreira, Edilene Mateus Porto e Daniel Roberto Stivanin. As vítimas eram, em sua maioria, lideranças de movimentos em prol dos trabalhadores rurais e responsáveis por denúncias de grilagem de terras e de extração ilegal de madeira.
Ao defender a transferência das investigações para o âmbito federal, o MPF alegou que os crimes, muitas vezes resultantes de extrema violência e prática de tortura, decorrem do grave conflito agrário instalado no Estado de Rondônia. O órgão demonstrou ainda que, além de morosas, as investigações locais foram inconclusivas e insuficientes para punir os responsáveis, seja pela corrupção de agentes públicos ou pelo sucateamento dos instrumentos de segurança pública e investigação do estado.
De acordo com o MPF, tal cenário demonstra a incapacidade da esfera estadual em oferecer resposta pronta, efetiva e eficaz aos crimes, com sério risco de responsabilização perante a comunidade internacional protetiva de direitos humanos. Além disso, o órgão chamou atenção para a existência e o desenvolvimento de organizações criminosas que atuam em benefício de grupos mais fortes, visando manter o controle sobre as terras.
Rondônia é, atualmente, o segundo estado com o maior número de mortes relacionadas à luta por terras, perdendo apenas para o Pará. Entre 2015 e 2016, o estado chegou a estar no topo do ranking, contribuindo para a liderança mundial do Brasil em mortes no campo.
De acordo com a decisão do STJ, o pedido apresentado pelo MPF preenche todos os requisitos de ordem constitucional e legal para o deslocamento de competência da esfera estadual para a federal. Entre eles, a grave violação de direitos humanos, a possibilidade de responsabilização do Brasil em razão de descumprimento a obrigações contraídas em tratados internacionais e a incapacidade de órgãos locais darem respostas efetivas às demandas.
Medida excepcional – A federalização de crimes pode ser considerada uma exceção no mundo jurídico e exige provas da incapacidade das autoridades locais e risco concreto de impunidade. Além da tentativa de garantir uma investigação mais eficiente para que ilícitos sejam esclarecidos e seus eventuais autores julgados e punidos, a atuação dos órgãos policiais e judiciários da União pode prevenir a responsabilização do Brasil nas cortes internacionais.
A transferência de investigações ou processos para a Justiça Federal visa, ainda, garantir o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo país nos tratados internacionais de direitos humanos.
MPF/Foto ilustrativa: Arquivo/Agência Brasil