Cerca de 65% dos gastos com cartão corporativo não são transparentes
Nos dois primeiros meses do ano, o Governo Federal gastou R$ 6,3 milhões em pagamentos realizados por meio do cartão corporativo. Quase 50% dos pagamentos foram feitos de maneira sigilosa, isto é, não é permitido ao cidadão comum conferir em que R$ 3,1 milhões dos cofres públicos foram aplicados.
Além disso, mais de R$ 1 milhão dos gastos realizados com o cartão são inacessíveis ao conhecimento público. Isto porque os recursos foram sacados e não foram identificados para que o “dinheiro vivo” foi utilizado. Sendo assim, na realidade, R$ 4,1 milhões (65%) foram executados, por meio do cartão, sem descriminação do bem adquirido ou do serviço prestado.
Quanto aos gastos caracterizados como sigilosos, a Presidência da República, como costuma acontecer todos os anos, sai em disparada: foi R$ 1,8 milhão no período. As maiores despesas foram realizadas pela Secretaria de Administração da Presidência, as quais somam R$ 877,1 mil.
O Ministério da Justiça é o segundo que mais gastou de forma secreta, com pagamentos que somam R$ 1,3 milhão. O Dispêndio de maior relevância, de R$ 491,8 mil, foi efetuado por órgão vinculado ao Departamento da Polícia Federal, chamado Coordenação de Administração.
As demais despesas sigilosas foram de responsabilidade do Ministério da Fazenda, com R$ 13,3 mil, e do Ministério da Defesa, com R$ 687,49.
Em relação aos saques, que também não permitem saber em que os recursos foram aplicados, o órgão que mais usou dinheiro em espécie foi o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que totalizou R$ 622,2 mil em saques. Todos os saques foram realizados por servidores do IBGE, unidade subordinada a Pasta.
Em seguida, encontra-se o Ministério do Desenvolvimento Agrário que, utilizando o cartão corporativo, sacou R$ 125,7 mil. Das unidades orçamentárias a ele subordinado, a que mais executou tal serviço bancário foi o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, que sacou, ao todo, R$ 124,6 mil.
No que concerne aos gastos totais efetuados por meio do cartão, a Presidência da República, o Ministério da Justiça e o Ministério do Planejamento também tomam a frente. Os órgãos gastaram, respectivamente, R$ 1,8 milhão, R$ 1,4 milhão e R$ 975 mil.
Redução dos gastos
Comparados aos gastos com cartão corporativo no mesmo período de 2014, nota-se que houve decréscimo nominal de 10,4%. Em janeiro e fevereiro do ano passado, o governo federal pagou, por meio do cartão, R$ 6.9 milhões. O valor foi R$ 651,9 mil mais alto do que este ano.
Por servidor
Entre os servidores que mais utilizaram de seus cartões corporativos, dois são do Ministério do Planejamento, e o terceiro, da Defesa.
O que mais gastou foi Lucas Palomero, alocado na Unidade de Passagens Aéreas. Ele efetuou cerca de 150 compras de passagens em diversas companhias aéreas que somaram R$ 93,9 mil.
Em seguida, o funcionário do IBGE do Amazonas, Tassio de Souza, que gastou R$ 20,4 mil com o cartão. No valor, inclui-se 13 saques de R$ 1 mil e dois pagamentos de R$ 1,6 mil e R$ 1,8 mil em um autoposto chamado “Tello”.
O terceiro valor individual mais alto, de R$ 18,7 mil, foi gasto no cartão corporativo de Rafael Oriques, alocado no Estabelecimento Central de Transporte do Comando do Exército. O valor é composto principalmente por 11 saques de R$ 1 mil e um pagamento de R$ 1,4 mil, também em um autoposto, chamado “O Corujão”.
Gastos possíveis
O Cartão de pagamentos funciona como um cartão de crédito e permite, também, a realização de saques em dinheiro. Ele tem validade internacional e é usado por representantes do governo federal. Geralmente é usado para pagamento de bens, serviços e despesas em materiais, contratação de serviços e ainda para pagamento de agências de viagens.
Além disso, é isento de anuidade, não permite crédito rotativo ou parcelamento de compras. Os saques são liquidados diretamente na Conta Única da União.
Os pagamentos às agências de viagem devem ser previamente licitados. Em viagens nacionais, os cartões são utilizados em serviços especiais que exijam pronto pagamento e que não tenham sido pagos previamente pelas diárias recebidas, por exemplo, passagens, locação de veículo, estacionamento, combustíveis, etc.
Todas as despesas relativas à alimentação, hospedagem e transporte, inclusive para Ministros de Estado, não podem ser quitadas com o cartão corporativo, visto que tais gastos já são cobertos por diárias ou custeados por outras entidades, conforme especificado no ato de autorização de afastamento do país.
Histórico
O sistema de pagamento foi criado em 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso, com a intenção de proporcionar mais agilidade, controle e modernidade na gestão de recursos. Pela lei, a utilização dos cartões não é regra e os gastos devem ser enquadrados como despesas excepcionais ou de pequeno vulto.
Em 2008, o uso de cartões de pagamento pelo governo federal ganhou as manchetes brasileiras após denúncias de uso indevido do “dinheiro de plástico”. As suspeitas resultaram em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Sob críticas da oposição, a CPI dos Cartões Corporativos isentou todos os ministros do governo Lula acusados de irregularidades no uso dos cartões.
O caso, entretanto, provocou a queda da então ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro. Em 2007, as despesas de Matilde com o cartão corporativo somaram R$ 171 mil. Desse total, a ex-ministra gastou R$ 5 mil em restaurantes e R$ 461 em um free shop.
No ano do escândalo, o governo alterou as regras para o uso de cartões, para evitar o pagamento de despesas pessoais. A Controladoria Geral da União lançou ainda um manual orientando os servidores sobre como usar o cartão corporativo.
Gabriela Salcedo /Contas abertas